A Comissão de Direito Previdenciário da OAB Paraná promoveu nesta quarta-feira (24) uma audiência pública para debater as principais mudanças previstas na Proposta de Emenda Constitucional 06/2019, que trata da reforma da previdência. A partir de cinco questionamentos gerais, professores e especialistas da área fizeram uma ampla análise da proposta, criticando vários aspectos que esperam ainda ser revistos durante a tramitação da PEC no Congresso Nacional.
O presidente da OAB Paraná, Cássio Telles, abriu o evento, considerando-o o fórum apropriado para que a sociedade se manifeste a respeito das propostas apresentadas. “Este é o local adequado para se discutir um tema tão relevante. A reforma impactará não somente nas finanças do país, mas na vida dos cidadãos. Queremos o progresso da nação, mas também a dignidade, a felicidade e o envelhecimento com bem-estar”, afirmou.
Cássio Telles destacou que a Ordem está aberta aos debates dos temas nacionais. No mês passado, foi promovida uma grande discussão sobre o projeto anticrime, do Ministério da Justiça. “Não nos furtaremos de dar a nossa contribuição. Ela pode ser crítica, mas será responsável”, enfatizou, lembrando que as conclusões do evento nortearão o posicionamento da instituição sobre a reforma da previdência.
O presidente da Comissão de Direito Previdenciário, Leandro Murilo Pereira, disse que a comissão estará atenta aos movimentos da reforma, e vai agir dentro do que está ao seu alcance, tanto na parte técnica quanto política. Participaram ainda da abertura a juíza federal Amanda Stoppa, o presidente da OABPrev-PR, Wellington Silveira, a coordenadora do IEPrev – Instituto de Estudos Previdenciários, Fernanda Valério, e o coordenador do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Leonardo Zicarelli.
Debates
O primeiro questionamento colocado para os especialistas foi sobre aposentadorias programáveis e regras de transição adequadas. Com a mediação do advogado Milvio Manoel Cruz Braga, o professor Alberto Patino Vargas e a advogada Sheyla Souza Borges de Liz abordaram o tema partindo dos pilares apresentados na exposição de motivos da PEC.
Alberto Patino chamou a atenção para o fato de que a proposta do governo não é uma reforma e sim uma transformação no sistema estabelecido pela Constituição, que tem como um dos princípios a solidariedade. “O oposto do regime de solidariedade é a capitalização. Ao invés de você recolher para pagar benefício de outra pessoa, você faz uma espécie de poupança forçada em seu nome. Então, a gente está se afastando também do modelo de estado de bem-estar social”, disse.
Na opinião dos especialistas, a questão da idade mínima também deve ser amplamente discutida, pois a proposta de reforma não leva em consideração as diferenças regionais, embora a exposição de motivos da PEC apresente como um dos seus fundamentos a equidade (tratar de forma mais uniforme as pessoas que contribuem para a previdência). Estabeleceu-se uma idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, o que pode ser razoável para quem vive no Sul do país, mas não para quem vive no Nordeste.
A advogada Sheila Borges de Liz apresentou dados que revelam as diferenças de expectativas de vida entre as regiões: em Alagoas, é de 65 anos. Em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, é de 75 anos. Ela adverte que mesmo as regras estabelecidas pela reforma não são permanentes, por isso, considera temerário que tudo seja alterado por lei complementar, conforme prevê a PEC.
Falta de dados
Os advogados Gisele Kravchynchyn, de Santa Catarina, e Diego Cherulli, do Distrito Federal, responderam sobre questionamentos referentes ao custeio previdenciário. Diego Cherulli, que acompanhou mais de perto em Brasília os debates na Comissão de Constituição e Justiça, lamentou a falta de interesse dos deputados em ouvir a sociedade e os especialistas. De acordo com o advogado, há muito tempo se pede a divulgação dos estudos e cálculos sobre a real situação da Previdência, mas até agora o governo não apresentou nada. “É uma molecagem o que estão fazendo. Vamos aprovar algo sem saber como nem por que”, reiterou.
Cherulli concorda que, mais do que uma reforma, está se propondo uma transformação. “Essa não é a reforma da previdência, é a transformação da análise jurídica e social sobre o sistema. Estamos abandonando o sistema de solidariedade para seguir um caminho de individualidade. É a desconstitucionalização da previdência”, afirmou.
Gisele Kravchynchyn observou que a reforma da previdência deve ser entendida de forma sistêmica, considerando a reforma tributária que também se pretende fazer. “A contribuição previdenciária é um tributo e o que se pretende é desonerar o empresário, mas não necessariamente o segurado”, explicou a advogada. Segundo ela, a reforma abre indiretamente a possibilidade de se retirar por completo a contribuição patronal.
Transição
A regra de transição proposta para os servidores públicos foi tema de outro painel e também foi criticada pelos especialistas convidados para o debate – a advogada Isabela Cristine Martins Ramos e Marco Aurélio Serau Júnior. Isabele Ramos considera positivo um dos objetivos da PEC, quando estabelece a convergência entre o regime geral e o regime próprio, mas critica duramente a regra de transição proposta para os servidores ingressantes até 31/12/2003.
“Se as regras de transição para os segurados do regime geral não são adequadas, para os servidores públicos são uma calamidade”, afirmou. Isabele explicou que um servidor com direito à integralidade e paridade, que está a seis meses de se aposentar, terá que trabalhar mais 10 ou 12 anos para obter esses benefícios. “É uma regra que desrespeita completamente qualquer princípio de razoabilidade e proporcionalidade, que não respeita o direito acumulado e o patrimônio jurídico do servidor”, disse.
Marcos Serau destacou que o único ponto positivo na PEC é prever uma norma para a aposentadoria especial do servidor, o que não existe hoje. Porém, a regra de transição que se aplica é a mesma. “É excessiva, é uma exigência que destoa da realidade”, afirmou.
Os debates continuam nesta noite, com abordagens sobre a previdência complementar no cenário econômico brasileiro e com uma análise de como Judiciário deverá se comportar diante da reforma. Participam do primeiro painel os advogados José Luiz Costa Taborda Rauen e Mário Borges, e do segundo painel, os advogados Érico Sanches Ferreira dos Santos, Fabrício Bittencourt da Cruz e Melissa Folmann.